sexta-feira, 10 de agosto de 2018

como fazemos as pazes



nós temos discutido mais do que deveríamos. sobre coisas com que nenhum dos dois se importa ou lembra porque assim evitamos as perguntas maiores. em vez de perguntar por que nós não falamos eu amo-te tanto quanto antes. nós brigamos por coisas como: quem deveria se levantar primeiro e apagar a luz. ou quem deveria colocar a pizza congelada no forno depois do trabalho. atacando as partes mais vulneráveis um do outro. somos como um espinho espetado no dedo meu amor. sabemos exatamente onde dói.
e hoje as cartas estão na mesa. como aquela vez que tu falaste a dormir um nome que não era nada parecido com o meu. ou na semana passada quando disse que ias chegar tarde do trabalho. liguei e disseram que tu tinhas ido embora fazia umas horas. onde é que tu estavas por umas horas.
eu sei. eu sei. as tuas desculpas fazem todo o sentido do mundo. e eu fico meio nervosa por qualquer coisa e no fim começo a chorar. mas o que tu esperavas querido. amo-te tanto. desculpa-me por pensar que estavas a mentir.
é aí que tu ficas frustrado e colocas as mãos na cabeça. meio a suplicar-me pra parar. meio farto e cheio. a toxina das nossas bocas queimou as nossas bochechas. estamos menos vivos que antes. com menos cor no rosto. mas não te enganes. não importa aonde isso vai chegar nós dois sabemos que tu ainda me queres atirar ao chão.
especialmente quando grito tão alto que a nossa briga acorda os vizinhos. e eles vêm a correr até à porta para salvar a gente. Querido não abra a porta.
em vez disso. engana-me que eu gosto. abre-me como mapa. e com o dedo vai apontando os lugares que ainda queres fuder em mim. beija-me como se eu fosse o centro de gravidade e tu caísses em mim como se a minha alma fosse o ponto focal da
tua. e quando a tua boca estiver a beijar não a minha boca mas outros lugares. as minhas pernas abrir-se-ão por hábito. e é aí que. te puxo pra dentro. te trago de volta. para casa.
quando a rua inteira estiver a olhar pela janela a perguntar porquê tanto barulho. os carros de bombeiros que chegaram para nos salvar não conseguem saber se as chamas começaram pela nossa raiva ou pela nossa paixão. vou sorrir. atirar a cabeça pra trás. arquear o meu corpo como a montanha que tu queres partir ao meio. podes lamber amor.
como se a tua boca tivesse o dom da leitura e eu fosse o teu livro favorito. encontra a página favorita no ponto macio entre as minhas pernas e lê devagar. fluente. com vontade. não ouses deixar nem uma palavra intocada. e eu juro que o final vai ser tão bom. as palavras finais vêm vindo. a deslizar para a tua boca. e quando terminares. senta-te. porque é minha vez de fazer música com os joelhos no chão.
meu bem. é assim. que arrancamos linguagem um do outro com a ponta da língua. é assim que discutimos. é assim. que fazemos as pazes.
- como fazemos as pazes

                   Rupi Kaur in “Leite e Mel

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